google-site-verification=zgtz6WcsBzShXupCx1sl47aU39ROe2jYweqdpvMY8Vo
|
O dia em que deixei de fumar, foi o dia em que compreendi o que procurava em cada cigarro e também, do que fugia.
Todo o vício é uma automedicação, uma tentativa de resolver, silenciar, anestesiar ou compensar o verdadeiro problema. Todo o comportamento aditivo (tabaco, álcool, drogas, comida, jogo, sexo...) tem por base algum problema, alguma dor, eventualmente um trauma e com certeza alguma carência... Quando questiono os meus clientes o que procuram naquele comportamento, o que sentem ao fazê-lo, que sensação ou emoção conseguem alcançar naqueles pequenos instantes de satisfação do desejo, no início , raramente me sabem responder. Depois, com orientação começam a surgir respostas que variam desde "conforto, pausa, calma, alegria, força, confiança, silêncio..." - consoante cada pessoa e a sua própria história. Descobrir o que procuramos nesse comportamento repetitivo e nocivo, pode ser a pista fundamental para descobrir o que nos falta ou queremos alcançar. A questão seguinte a colocar é: e será esse vício, a única forma de alcançar esse estado? Com certeza que não. Existem muitas outras formas de conseguir parar e alcançar calma, de resgatar a nossa força ou de sentir alegria, de nos sentirmos acolhidos, confortados, seguros...E este é o caminho que se faz nas sessões de terapia: descobrir o que se procura e encontra no vício, olhar para a dor que está por base dessa busca e comportamento, acolher e transformar em novos comportamentos mais conscientes, saudáveis e equilibrados. No meu caso, o cigarro simbolizava a pausa, o "parar". O momento em que dizia a mim mesma "preciso respirar" e lá ia acender um cigarro - quanta ironia Sedenta de viver e cheia de energia, pouco parava. Mas acima de tudo eu sabia, que o parar verdadeiramente, simbolizava também ir mais fundo. E assim foi. Parei de fumar num dos momentos mais difíceis da minha vida. E se já mergulhava em mim e nas minhas dores de alma, deixar o tabaco foi como se eu dissesse ao universo ou à minha alma: "ok, estou pronta para sentir tudo." E senti. Foram tempos avassaladores, conhecidos por muitos pela "noite escura da alma" - que de noite, nada teve, pois foram anos a ver com muita luz toda a minha dor, toda a minha sombra. Ainda hoje estou a recuperar. Ainda hoje penso no que será que em mim morreu e no que de novo nasceu? O tempo dirá. Mas o tabaco, não voltará. Porque o afirmo desta forma? Porque ao longo da minha vida de fumadora parei várias vezes e dizia sempre "deixei de fumar". Mas desta vez, algo estranho aconteceu e em vez de dizer que parei de fumar, exclamei com convicção "não sou fumadora". Ou seja, desindentifiquei-me, pura e simplesmente, com alguém na fuma. Hoje e desde então, olho para quem está a fumar e penso "que estranho, como fiz aquilo durante tantos anos da minha vida?". Nunca mais senti o desejo, nem mesmo depois do café ou a acompanhar aquele copo de vinho no jantar de amigos. Não parei. Não deixei de fazer. Deixei de o ser. Lembro-me bem de, no início da minha noite escura da alma, pensar: "sinto-me desidentificada com tudo" - era como se não conseguisse mais me identificar com as minhas próprias acções, comportamentos, até com as minhas roupas e até o cabelo, com pessoas e convívios habituais... Há algo de verdadeiramente assustador nesta fase, é certo. Mas também há algo de mágico e libertador que acontece. Nessa desidentificação, a Ana Sofia que fumava deixou de existir. Os cigarros deram lugar à dor que foi sendo acolhida, transformada e dissolvida ao longo do tempo - work (still) in progress... Deram também lugar a mais desporto e a mais pausas, sem culpas, sem esforço e sem pressão. O Dr Gabor Maté tem um trabalho absolutamente maravilhoso no que diz respeito aos vícios e ao trauma. Ele diz "não perguntem porquê o vício?, mas sim, porquê a dor?" E foi precisamente através do trabalho de Gabor que eu própria passei e ultrapassei todo este processo. Foi enquanto fazia um dos seus cursos, que integrei o simbolismo dos vícios, que reflecti, mergulhei e senti sobre o que simbolizava o meu (vício); coloquei as questões necessárias para que o meu inconsciente ficasse consciente (se é que posso dizer tal coisa) e naturalmente, num dos momentos mais difíceis da minha vida, simplesmente aconteceu: deixei de me identificar com o tabaco, deixei de ser fumadora, deixei de evitar parar, deixei de fugir à dor. E nem foi um acto premeditado. Como disse, simplesmente, aconteceu. Um dia acordei e não tinha cigarros. Era a passagem de ano, dia 1 de janeiro, portanto à minha volta estava tudo encerrado. Vasculhei a casa, as gavetas, os bolsos dos casacos. Fui ao carro duas vezes ver o tablier, ou no chão ou até em baixo dos bancos. Mas na segunda volta ao carro, algo aconteceu... simplesmente parei, sorri e disse "ok, já percebi!" E nunca mais fumei, nem pensei em fumar e acima de tudo, deixei mesmo de me identificar com alguém que fuma. Hoje, ajudo quem me procura no mesmo processo. Não propriamente só para largar o cigarro ou qualquer outro vício, mas acima de tudo, para se reencontrar. Para reconhecer a dor, acolhê-la, transformá-la e devolver-lhe dignidade. Porque quando fazemos este caminho, eu acredito que o vício deixa de fazer sentido. Ana Sofia Rodrigues® Todos os direitos reservados©
0 Comments
Leave a Reply. |
Saúde e Desenvolvimento Pessoal ®
Medicina Natural & Holística Medicina Tradicional Chinesa Autoconhecimento e Desenvolvimento Humano ©Todos os direitos reservados Histórico
Agosto 2025
Categorias |